Análise: Os Estereótipos Femininos de Hollywood usados na Saga "Harry Potter", 2001-2011

A saga Harry Potter é muito conhecida por seus personagens e pelo universo que, apesar de ser mágico e totalmente único, ainda assim é parte da realidade e há muitas semelhanças com o nosso mundo. Toda a trama da saga baseia-se em questões de poder, tanto entre a batalha de bem e mal, mas também, e principalmente, sobre política.

Com as adaptações cinematográficas, é comum personagens serem modificados para entrarem na trama principal. No caso de Harry Potter, a maioria das personagens que tiveram tempo de tela reduzido ou que suas tramas foram alteradas são mulheres. Apesar de algumas dessas histórias já se originarem nos livros dessa forma, a maioria foi transformada em estereótipos hollywoodianos femininos, os quais raramente envolvem mulheres em papeis políticos ou de poder.

Talvez o principal exemplo que vem na mente da maioria dos fãs quando pensamos em modificações de adaptação seja Gina Weasley. Gina já foi escrita como a típica menina num ambiente totalmente predominante e por homens que foi diretamente influenciada pelos irmãos, caindo no clichê da menina diferente das outras, como o fato de gostar de esportes, o que implica em alguns momentos da saga ela julgar outra personagem por estar no “padrão feminino”. Personagens são reflexos dos seus autores e é comum suas visões serem transmitidas para as páginas. Porém, nas adaptações feita por homens, o destaque da Gina – que já era pouco, quase desapareceu, sendo totalmente reduzida à raras cenas de quadribol (esporte bruxo) e ter sua personalidade forte apagada para apenas ser um futuro interesse amoroso para o protagonista. Apesar desta modificação, sabe-se que Gina Weasley tornou-se uma admirada jogadora de quadribol no mundo bruxo e, posteriormente, comentarista e colunista por ser autoridade no esporte. Este é um claro exemplo de apagamento de personalidade por não ser algo dentro do que se espera de feminino, por não se esperar que mulheres podem estar em posições superiores em algo tipicamente masculino.

Quase a mesma situação aconteceu com a auror (profissão que seria o equivalente a policiais no mundo bruxo ficcional da saga, um espaço que não é ocupado por mulheres nem dentro de fora da ficção) Ninfadora Tonks. Além de ser uma das únicas mulheres na profissão e já ter sido escrita como inferior ao seu parceiro, Tonks tem uma personalidade engraçada e desastrada que foi escrita como motivo de justificar seu tratamento, vista como imatura, mesmo que na maioria dos momentos ela seja mais eficiente que a maioria dos aurores. Nos últimos livros, e, portanto, nas adaptações cinematográficas, Tonks foi resumida a completar a narrativa masculina, basicamente tendo sua própria jornada interrompida para tornar-se par romântico. No cinema, a personagem tem menos de três minutos de tela e isso contribuiu para o apagamento e falta de desenvolvimento de sua própria história (incluindo a parte do romance), sendo enfraquecida para dar destaque pelo contraste com outros personagens masculinos. É uma estratégia usada com muita frequência no cinema, ou a mulher é subutilizada e mostrada como mais fraca, ou mesmo que seja forte e independente ainda assim seu fim é no padrão feminino de esposa e mãe.

Falando de lugares não ocupados por mulheres, o esporte é e sempre foi um campo masculino. A time de quadribol o qual o Harry Potter faz parte é equilibrado entre homens e mulheres a priori, sendo três meninas e quatro meninos. Porém ao longo da saga esse número se desequilibra. Além do número, os papeis dentro do time também saem dos eixos. No seu sétimo e último ano na escola foi promovida para capitã do time e, mesmo utilizando os mesmos métodos do capitão anterior, foi extremamente criticada e rejeitada pelos colegas de casa, taxada de controladora e ridicularizada por isso. Angelina não deve chegar a dois minutos de tela ao longo de toda a saga, tendo sua relevância no esporte quase esquecida.

Outra personagem vista como mandona e controladora que cai no estereótipo da mulher que precisa resolver todos os problemas dos protagonistas, sem uma narrativa própria, é a Hermione Granger, melhor amiga do próprio Harry Potter. Granger é a típica garota que precisou amadurecer primeiro pois não seria aceitável certas imaturidades vindas de uma menina. Também é vista como controladora e mandona e seu valor é estritamente atribuído à sua utilidade para o trio principal. Em poucos momentos que Hermione erra e é imatura, como qualquer criança e adolescente, o julgamento por suas ações e a cobrança é muito maior. Constantemente é também ridicularizada por sua capacidade de resolver problemas e sua inteligência. Ela sempre esteve em uma predominância masculina e reproduz ideias machistas e conservadoras, reflexos da autora, que não cabem com sua personalidade. Hermione é vista nos filmes totalmente dentro do padrão do feminino, emotiva e quieta, até chega a ser quase apresentada uma possiblidade de um triângulo amoroso entre os três amigos, algo também muito comum no cinema com personagens femininas.

A principal questão com a Hermione é que nas adaptações para o cinema ela foi o alvo de destaque da produção, parte por preferência da equipe pela personagem, parte pela aceitação do público pela atriz, parte pela cultura já consolidada de rivalidade feminina. Com isso, outras personagens foram colocadas como abaixo de Granger, em todos os sentidos, desde falas até figurinos. Duas personagens que foram empurradas para esta situação foram Cho Chang (filme 4) e Lilá Brown (filme 6), que foram unicamente colocadas como interesses amorosos dentro desse padrão, respectivamente, ou de recatada e reservada, ou de controladora e ciumenta. Ambas as personagens também têm pouquíssimo tempo de tela e sempre estão acompanhadas por algum garoto. No caso de Chang, há ainda um agravante, pois, a personagem é usada para outra finalidade no filme, saindo de uma jogadora de quadribol inteligente para uma “traidora”. Ambas foram também enfraquecidas e não temos cenas delas mostrando seu verdadeiro poder dentro da equipe.

Talvez o maior exemplo de enfraquecimento em prol do protagonismo masculino na saga seja Fleur Delacour, aparecendo no quarto filme da saga apenas, Fleur é introduzida como a campeã da sua escola – um feito enorme que comprova sua força e capacidade mágica, mas logo percebemos que dentre os quatro campeões, ela é a menos preparada para estar no torneio, mesmo o Potter sendo bem mais novo e inexperiente. Fleur torna-se um interesse amoroso, e apenas isso, nos últimos filmes, novamente uma personagem sendo enfraquecida e tendo parte da sua narrativa própria apagada. Nos livros, Delacour já é subestimada e ridicularizada (infelizmente, por outras mulheres) por ser, aparentemente, apenas um rostinho bonito. Ela tem um posicionamento muito forte sobre, mas também ignorado na adaptação para cinema. Não há nenhum destaque para a personagem nos momentos de guerra dos filmes, nenhum momento para testemunharmos sua força. Muito pelo contrário, além de ser mostrada o tempo todo como mais fraca no primeiro filme que aparece, Fleur é objetificada pelas falas de outros personagens e por figurinos (e ângulos de filmagens), reafirmando o estereótipo de apenas uma mulher bonita.

Personagens femininas subestimadas são extremamente comuns, tanto pelos próprios personagens que estão em contato com elas, quanto pelo público (ou produção que já apresenta a personagem sem destaque). O principal seria questionar esse papel, se ela está sendo rebaixada ou se realmente não é relevante para a trama. Narcisa Malfoy é um dos ótimos exemplos disso. Uma personagem importante para a narrativa, mas vista apenas como esposa e mãe. Ela está nos dois lugares fundamentais da trama, o amor materno – que salva o Harry Potter diversas vezes, e o lado político. Por mais que discretamente, Narcisa interfere e muda o curso de ambos. Porém, não recebe nenhum reconhecimento por nenhuma das duas ações pois os filmes a apresentam apenas como esposa. O total oposto acontece com sua irmã, Belatriz Lestrange, que toma seu lugar de destaque dentro do grupo político e usa todo seu poder para seu propósito. Porém Belatriz é a reprodução exata do rótulo de bruxa louca. Mesmo cativante por seu carisma, ainda assim não podemos esquecer que ela passou do braço direito do maior bruxo das trevas para alguém que parece totalmente instável, tanto por suas ações e falas, mas principalmente por sua caracterização, também sendo subestimada pela maioria.

Os poucos exemplos de mulheres retratadas como fortes são as figuras maternas ou de autoridade para os heróis, como Lily Evans, mãe do Harry Potter, Molly Weasley, matriarca da família Weasley, ou Minerva McGonagall, professora e diretora da casa do protagonista. Dentro da história, McGonagall e Granger tornam-se, respectivamente, diretora de Hogwarts e Ministra da Magia, dois dos maiores cargos do mundo bruxo, porém só confirmados após o fim da narrativa. Por isso, não temos mulheres em grandes papeis de poder durante os acontecimentos da saga. Ainda mais para quem conhece o universo apenas pelos filmes que, apesar de muito bons e gerar uma ótima experiência, não podemos negar que os personagens secundários acabam sendo pouco desenvolvidos por questões de linguagem cinematográfica e tempo, e normalmente as mulheres são escolhidas para estarem nesses lugares de não relevância.

Se fosse feito atualmente, a saga Harry Potter no cinema poderia ter corrigido diversos destes estereótipos ruins, inclusive modificando-os das obras literárias. É sempre importante saber reconhecer problemas em filmes, e outras obras, para que estes não voltem a se repetir. Atualmente o cinema se desprendeu do padrão da mulher doce e indefesa, mas ainda reforça o padrão mulher forte e sexy num grupo de homens. Não é um avanço.

Igualdade seria trazer mulheres em papeis importantes, com falas e ações que movimentem a narrativa, ocupando locais que são historicamente masculino, como esportes ou política, papeis de liderança, assim como trazer homens em papeis “femininos”, como trabalhar a paternidade, isto poderia trazer impactos para espectadores e, consequentemente, mudanças sociais.

Por: Isa Araújo Oliveira

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