CODA: um retrato sobre as dificuldades de pais e filhos
Antes de prosseguirmos com a análise, acho válido esclarecer que, ainda que CODA tenha (surpreendentemente) levado o Oscar de melhor filme este ano, pessoalmente eu não necessariamente concordo com a premiação (mas é aquela velha história do Oscar premiando o que quer porque quer e porque sim) mas ainda assim acho importante trazer esta análise pois, mesmo que não concorde com os louros recebidos pelo filme por parte da academia, CODA ainda é um ótimo filme, com uma premissa muito interessante (e diferente) e que consegue trabalhar muito bem a partir dela. Acima de tudo, também é um filme com uma mensagem muito positiva e importante, o que às vezes é um pouco difícil de achar em filmes de grande alcance.
Mas antes de seguirmos com a análise, um aviso, esse artigo cobrirá eventos e aspectos presentes ao longo do filme logo haverão, sim, alguns spoilers. Se você ainda não viu, eu altamente recomendo que o faça (confia, vale a pena). Atualmente ele se encontra disponível no catálogo da Amazon Prime Video.
Bom, avisos dados, vamos para a análise, e eu gostaria de começar com um pequeno resumo sobre o filme. CODA, que é um acrônimo para Children of Deaf Adults (Filhos/as de Pais Surdos, em uma tradução livre) mas também é o nome dado a seção que termina uma música, nos conta a história de Ruby Rossi (interpretada pela Emilia Jones) que trabalha tanto ajudando sua família em seu trabalho como pescadores, como intérprete para os mesmos (uma vez ambos seus pais e seu irmão mais velho são deficientes auditivos). Dentre as diversas narrativas que o filme nos apresenta e desenvolve ao longo de suas 1 hora e 51 minutos de duração, escolhi, para este post, falar sobre uma em particular, isso é, falar sobre a iniciativa da Ruby em se distanciar da sua família em ordem de seguir sua paixão recém descoberta pela música, mas também falar sobre as dificuldades enfrentadas por ela, resultantes de sua escolha.
Ao longo do filme, Ruby entra para o coral da escola, onde logo é identificada pelo professor responsável pelo mesmo como um “diamante bruto”, um talento que, com algum suporte técnico, certamente resultaria em uma excelente artista, ele então recomenda que Ruby se inscreva para uma audição em uma prestigiada faculdade de música, onde poderá concorrer a uma bolsa integral para arcar com seus estudos, vale ressaltar que tal faculdade fica relativamente longe da cidade costeira onde ela viveu com sua família desde sempre, logo, ainda que ela conquistasse tal bolsa, ela teria que se mudar para outra cidade. É justamente esta iniciativa que leva ao desenrolar de uma série de tensões dentro da família Rossi, uma vez que, primeiro, a ideia de que a Ruby eventualmente busque sua independência fora de seu lar é especialmente complexa para ser aceita por seus pais (que como dito anteriormente, são deficientes auditivos). esta dificuldade provém tanto da incapacidade da Ruby provar seus talentos para sua família, dadas as suas condições, bem como a incerteza gerada em relação a como será o futuro da família tendo que lidar agora com a perda de sua principal forma de comunicação com o resto do mundo (uma vez que um dos “trabalhos” da Ruby é agir como intérprete para seus pais).
Convenhamos, é uma premissa bem incomum, mas aos meus olhos também é um dos pontos fortes do filme, uma vez que permite ao mesmo trabalhar diversas linhas narrativas ao mesmo tempo, dando igual importância a todas e executando todos os desenvolvimentos com maestria. Ao longo do filme, são tratados temas como preconceito contra deficientes, a importância dos laços familiares, a importância de incentivar aqueles que amamos a perseguir seus sonhos (mesmo que o processo seja doloroso para nós, por qualquer motivo que seja) e, acima de tudo, é um filme que se dedica muito a nos mostrar como o processo de incentivar os filhos a perseguirem seus sonhos, muitas vezes, é um processo extremamente difícil para os pais. Perceba, os pais de nossa querida protagonista não tem como testemunharem por si mesmos se o talento dela para o canto é real ou não, logo, os receios de que sua filha persiga uma carreira artística em vão (que geralmente já são grandes em famílias normais) acabam se multiplicando, pesando a ponto de levar os pais da Ruby a, muitas, vezes, tomarem decisões claramente egoístas na esperança de manter ela presa a sua família, consequentemente, em um lugar onde eles podem zelar por ela da melhor maneira.
Apesar disso,
gradativamente os Rossi vem a reconhecer o talento da filha (através de
maneiras muito criativas, devo dizer, bom trabalho roteirista), o que faz com
que eles eventualmente fiquem mais confortáveis com a ideia de que sua amada
filha persiga suas ambições como cantora. e uma vez resolvida esta questão,
falta resolver apenas a origem de todas as outras, o excesso de zelo dos pais
para com os filhos. O filme se sai muito bem trabalhando neste aspecto, com
cenas e momentos realmente emocionantes e um dos momentos mais catárticos dos
últimos tempos no que diz respeito a filmes do circuito mainstream (este que
vos escreve admite que teve que segurar uma lágrima ou duas). Assim sendo, tudo
o que resta ao filme é estabelecer o novo status quo da família Rossi (deixando
clara sua mensagem positiva e cheia de esperança no processo) e finalmente,
mostrar nossa querida Ruby finalmente tomando os primeiros passo concretos em
direção a sua própria independência (vale ressaltar que, para fechar com chave
de ouro este último momento do filme, ele sabe precisamente onde terminar e
deixa os créditos rolarem enquanto o espectador ainda digere tudo aquilo que
lhe foi passado, um dos melhores timings para encerramento desde Whiplash em
2014).
Luís Gustavo R. Abreu




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