Resenha de Filme: Relatos Selvagens, 2014

       "Relatos Selvagens" é um longa-metragem hispano-argentino de 2014 com direção de Damián Szifron. Produção de Agustín Almodóvar, Pedro Almodóvar, Eshter García, Hugo Sigman, Matías Mosteirín. Foi indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro na edição 2015. O filme é uma antologia de seis histórias independentes, cada uma com seus próprios personagens e sua própria narrativa, porém todos expõem ocasiões em que a natureza animalesca humana entra em conflito com as regras estabelecidas pela sociedade.

Apesar de serem histórias independentes, todos os seis contos que compõem o filme compartilham algumas características entre si. Todos partem de eventos aparentemente comuns, uma mulher em uma viagem de avião, um homem entrando em um restaurante na beira de uma estrada, um casamento… porém, cedo ou tarde todos os 6 contos começam a tomar proporções completamente absurdas, de forma quase teatral. Esse escalonamento é parte do que prende o espectador, desde a primeira história (que é, inclusive, a mais curta de todas e se passa assim que o filme começa, antes mesmo dos créditos iniciais) o filme brinca com a expectativa do espectador, que inevitavelmente busca identificar o momento em que aquela situação cotidiana tomará proporções absolutamente desastrosas.

Narrativamente, é um filme quase impecável, quase todos os eventos, em todas as histórias, servem para reforçar a mensagem do filme. A maneira como as coisas escalam, ou melhor dizendo, a maneira como o diretor (que também assina o roteiro) permite que as coisas escalem a partir do que geralmente é um sentimento comum a todos nós em algum momento de nossas vidas, faz com que, ao mesmo tempo em que testemunhamos o absurdo, temos a impressão de que ele não está, de forma alguma, distante de algo que poderia acontecer. Essa aproximação estabelecida pela narrativa, composta de forma por vezes bastante gráfica, nos mostra como o ser humano, apesar de ter evoluído como um animal que depende de uma comunidade para crescer e se desenvolver, ainda é, no fim das contas, um animal. 

O filme nos mostra isso de maneira clara, a partir de momentos em que os interesses do indivíduo entram em conflito com os interesses da comunidade, momentos onde toda a nossa civilidade é posta em cheque, momentos onde o indivíduo, mesmo inserido naquele contexto social, se aproxima mais de um estado selvagem de natureza bruta. Nestes momentos, tudo o que a narrativa faz é dar um pequeno incentivo a seus personagens e então nos mostrar o caos resultante de sentimentos e instintos reprimidos irrompendo de maneira brutal, afinal, basta um pequeno incentivo para que toda essa idealização hierárquica de que somos, enquanto raça, superior a qualquer outra, evapore completamente.

Em suma, Relatos Selvagens é um filme provocante e evocativo, bastante visual e, às vezes, com um caráter quase surreal que reforça seu argumento tanto pelas atuações e diálogos quanto pelo tom e sentimento. No fim das contas, somos deixados com uma mensagem bastante simples (e que talvez seja difícil de enxergar no dia a dia justamente por sua simplicidade) a de que o homem, por mais “evoluído” que seja, ainda é um animal, e sendo essa uma civilização composta de animais, vivemos sempre tensionados entre nossos instintos e as expectativas que nos rodeiam, no fim das contas, o homem talvez seja o único lobo que resta ao próprio homem. Relatos Selvagens está disponível, tanto para aluguel quanto para compra, no YouTube, e é indicado ao público adulto em geral e especialmente para os entusiastas de um cinema crítico alternativo.


Escrito por: Luís Gustavo R. Abreu

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